sexta-feira, 24 de abril de 2009

"um pássaro igual a ti"


    "Provavelmente, o mundo está mesmo feito às avessas! Anda um tipo como este Zeca a vida inteira a dar a voz e o corpo pelas causas dos outros, passam-se anos a fio de viola às costas a cantar as utopias sonhadas no dia-a-dia, e acaba tudo assim. Estupidamente, numa madrugada de chuva indecisa, como se nada tivesse acontecido antes, como se tudo o passado não fosse senão um sonho longínquo. Nós, no entanto, sabemos que não foi um sonho. Crescemos a ouvir Menino de Oiro e Os Vampiros, aprendemos de cor os versos de Vejam Bem e de Grândola. Aprendemos, com o Zeca Afonso de todos os cantares andarilhos, a saborear o gosto dos encantos e das emoções, a desejar e a lutar pelas cores da liberdade.
    (...)Depois vêm as inevitáveis cortesias-de-velórios, mas quanto a isso estamos conversados. Afinal somos um país de homenagens póstumas, não é? Que o digam o Adriano, Jorge de Sena, Fernando Pessoa. Que o diga agora o Zeca, ele que foi sempre tão dado a encolerizar-se com estas coisas.
    Veja-se a Televisão, que esperou a sua morte para mostrar, lacrimosa, as suas cantigas. Veja-se o poder, que tudo lhe negou em vida, para descobrir agora (só agora, ó céus?) que, afinal, Zeca é um símbolo da democracia e da resistência antifascista! E proclama hossanas em sua glória, como se já não bastasse a dor que ficou.
     (...) José Afonso, poeta e trovador, não é dos que morrem assim, sem mais aquelas.
   Sabemos que o sonho permanece, em cada esquina, em cada rosto, em busca da terra da fraternidade. Quanto a ti, Zeca, faz como sempre fizeste até aqui: não lhes ligues, ri-te deles, lá desse cantinho onde agora te encontras, provavelmente a contar ao Adriano as últimas cá de baixo. Afinal, já sabes como é: o mundo está mesmo feito às avessas. Se assim não fosse ainda agora por cá te teríamos, a mandar vir como era teu hábito contra "essa cambada engravatada e escolopêndrica" que insiste em controlar a gente. E até vão fazer de ti nome de rua, imagina!
    Olha: lá fora, aqui mesmo a dois passos desta mesa de onde te recordo, há um pássaro a recolher-se da chuva que, teimosa, vai caindo. Ou serão lágrimas? Seja como for, o pássaro é igualzinho a ti: por mais que tentem, ninguém consegue impedi-lo de voar."



   óbvio que esta pérola não saiu da minha pena, limitei-me a martelá-la no teclado... é uma homenagem maravilhosa, não há dúvida... pela mão (e pela alma) de viriato teles. absolutamente destituída de pretensões políticas, aproveito  a data para partilhar uma parte importante da minha vida ("o rosto da utopia" e do inconformismo, da voz doce e das baladas de embalar)


beijito "atacado de astenia maníaco depressiva"*
ana:D


*ouvir "paz poetas e pombas", uma das músicas mais geniais que ele escreveu

1 comentário:

Maria Ana disse...

Isso da astenia maniaco depressiva é uma seca! Mas o Zeca, o Incoformismo, a Segurança, a Solidao e o Ruido do futuro ( e os pozinho de alprazolam;) ) ajudam a continuar.
O meu blog nao sei se é para continuar.Mas o teu, por favor, nao o deixes. Fazes-me sempre lembrar a doçura da Alice Vieira...
beijinho e boa sorte

Maria ana