sexta-feira, 5 de outubro de 2007

foi o q'ele disse...

Não é minha a pérola, nem inédita a partilha, mas há "boas razões" suficentes para o apresentar aqui:

- define, sem dúvida, muito do que é a ana, de modo que tinha de figurar entre as primeiras coisas da minha gaveta;
- é sábio o suficiente, para que possa ser lido pela enésima vez e, ainda assim ensinar algo de novo;
- ir "por onde me levam os meus próprios passos" não dói como já tive medo que doesse, e ainda que às vezes custe, é altamente satisfatório na altura de fazer balanços;
- delicio-me com este poema, quero muito guardá-lo na gaveta, e a gaveta é minha!

"Vem por aqui" – dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos
(há nos meus olhos ironias e cansaços).
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam os meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...


Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós.
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha loucura!
Levanto-a como um facho a arder na noite escura,
E sinto a espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo que se animou...
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


Cântico Negro, José Régio

beijito do contra
ana:)

2 comentários:

Anónimo disse...

Ola Ana!

Tenho acompanhado a arrumação que tens dado à tua gaveta e a recente adição desta pérola obrigou-me a tomar medidas...

a primeira,
dar-te os parabéns por ser uma das mais ilustres gavetas por onde vasculhei (tentando não desarrumar... muito...)

a segunda,
pedir-te que continues a arrumar pérolas destas, até porque espaço não parece ser problema desta gaveta... (deviam ser todas assim)

beijinho

Anónimo disse...

lembro-me deste poema, prai à 7 anos, logo após o nosso crisma. a dupla do meu primo apresentou-o, e ficou..

tu és o exemplo de fazeres o teu caminho.a coragem e determinação.

abracinho menina linda